Analisar um jogo como Quartet, da desenvolvedora Something Classic, é uma tarefa que vai além de simplesmente listar características. É mergulhar em uma experiência cuidadosamente costurada para evocar a essência de uma era dourada, a dos JRPGs dos anos 90, mas sem se apoiar apenas na nostalgia. Depois de horas imerso neste mundo, fica claro que estamos diante de um trabalho de paixão, um projeto que entende profundamente o que fez gêneros clássicos funcionarem tão bem. Esta análise busca dissecar os elementos técnicos e estruturais que compõem essa experiência, desde seus visuais pixelados até sua trilha sonora cativante.
Gráficos: Uma Pintura Pixelada com Alma
A primeira impressão ao iniciar Quartet é a de estar folheando um álbum de arte de um clássico do Super Nintendo ou do Sega Genesis que, por algum motivo, nunca chegamos a jogar na infância. A direção de arte é simplesmente impecável. Os sprites dos personagens não são apenas funcionais; eles transbordam personalidade através de gestos expressivos e animações fluidas, especialmente durante as sequências de combate. Cada membro do elenco possui uma silhueta e paleta de cores distintas, tornando-os instantaneamente reconhecíveis mesmo em meio à agitação de uma batalha.

Os cenários seguem a mesma filosofia, variando entre florestas exuberantes, cidades movimentadas e dunagens sombrias, todos criados com um nível de detalhe que convida à exploração. Os sprites dos inimigos são outro ponto alto, sendo artisticamente detalhados e, muitas vezes, cheios de carisma. A decisão de evitar encontros aleatórios, posicionando os inimigos diretamente no mapa-mundo, não só é uma qualidade de vida moderna mas também permite apreciar melhor o design dessas criaturas antes do confronto. O jogo não tenta reinventar a roda visualmente, mas executa sua estética retro com uma maestria rara, provando que a fidelidade artística supera a pura potência gráfica.
Jogabilidade: Estratégia e Fluidez em Harmonia
O coração de qualquer JRPG reside em seu sistema de combate, e Quartet oferece um dos mais refinados e satisfatórios entre os títulos independentes recentes. A premissa de começar com quatro narrativas distintas não é apenas um recurso narrativo; ela serve como um tutorial orgânico e gradual para a mecânica central do jogo: a troca rápida de party members. Uma vez que o grupo principal se une, a jogabilidade abre-se de forma brilhante.
O sistema de AP (Action Points), que substitui o MP tradicional, é um dos pilares da estratégia. Cada ação, desde um ataque básico até uma skill mais poderosa, consome AP, que é regenerado gradualmente ao longo dos turnos, com personagens na retaguarda recuperando-se mais rápido. Isso incentiva um gerenciamento constante da formação e uma rotação estratégica entre os oito personagens disponíveis. A possibilidade de trocar membros a qualquer momento, sem penalidades, é uma adição fantástica que incentiva a experimentação. Diferente de muitos JRPGs, onde estados alterados como poison ou slow são frequentemente inúteis contra chefes, Quartet permite e até incentiva o uso dessas táticas em encontros importantes, adicionando uma camada profunda de planejamento.
A progressão é bem dosada, com uma dificuldade que exige atenção, especialmente nos primeiros capítulos. Mais para o final, a liberdade para construir a party e descobber combinações poderosas entre habilidades é extremamente recompensadora. A sensação de executar uma estratégia bem elaborada e ver grandes números surgirem na tela é algo que os fãs do gênero vão adorar. A inclusão de um minigame de cartas, uma clara homenagem a títulos icônicos, adiciona um divertimento extra sem se sentir deslocado do conjunto.

Som: Uma Trilha Sonora para a Memória
Se os gráficos são os olhos de Quartet, a trilha sonora é无疑amente sua alma. Com uma lista impressionante de mais de 80 faixas, a soundtrack é uma personagem por si só. A composição é eclética, transitando perfeitamente entre jazz, temas melancólicos e melodias épicas cheias de energia. Cada ambiente, desde uma cidade tranquila até a ante-sala de um chefe formidável, é acompanhado por uma música que não apenas se adequa ao tom, mas também eleva a experiência.
É notável a quantidade de cuidado colocada na produção musical. O fato de as faixas serem creditadas a uma variedade de músicos, inclusive—como o nome do jogo sugere—um quarteto, adiciona uma riqueza e autenticidade instrumental que muitas vezes falta em produções independentes. As músicas são cativantes a ponto de ficarem gravadas na mente do jogador muito depois de desligar o console, um selo de qualidade das grandes soundtracks do gênero. Os efeitos sonoros, embora menos destacados, são igualmente competentes, fornecendo o impacto tátil necessário para os ataques e skills sem nunca roubar o protagonismo das composições principais.
História: Tecendo Quatro Fios em um Único Tecido
A narrativa é um dos maiores trunfos de Quartet. A estrutura de começar com quatro protagonistas diferentes, cada um com seu próprio capítulo introdutório, poderia ter resultado em um ritmo irregular ou em uma desconexão tonal. No entanto, o roteiro consegue unir essas tramas de maneira surpreendentemente coesa e natural. O grande triunfo da escrita está no desenvolvimento dos personagens. Cada um possui uma voz distinta, motivações claras e arcos de crescimento significativos. O diálogo oscila entre momentos de seriedade dramática e humor genuíno sem que as transições soem abruptas ou forçadas.
O mundo de Quartet é denso e bem construído, com um sistema de magia e lore que parece ter sido pensado com cuidado. A premissa de múltiplas histórias convergindo para uma narrativa maior é executada com sucesso, evitando os tropeços comuns nesta abordagem ambiciosa. A história mantém um ritmo constante do início ao fim, garantindo que o jogador esteja sempre engajado e curioso para descobrir o próximo capítulo. A sensação de ver as jornadas individuais se entrelaçarem e impactarem umas às outras é gratificante e é o que truly define a experiência “Quartet”.

Considerações Finais e Conclusão
Nenhum jogo é perfeito, e Quartet tem seus pequenos pontos de melhoria. Alguns jogadores, especialmente os completionists, podem achar que as dicas para certas sidequests no endgame são um tanto obscuras, exigindo uma exploração meticulosa do mundo. Uma sugestão seria talvez implementar um sistema de dicas mais detalhadas, talvez com um custo in-game, para equilibrar a descoberta com a acessibilidade. Um outro detalhe, levantado por alguns jogadores, é a ausência de portrait dos personagens durante os diálogos, o que poderia acrescentar uma camada extra de expressividade.
No entanto, estas são observações menores diante do todo magnífico que Quartet apresenta. O jogo é uma celebração do gênero JRPG, uma “carta de amor” que demonstra não apenas amor pelos clássicos, mas um entendimento profundo dos pilares que os fizeram grandes: uma história envolvente, personagens memoráveis, um combate estratégico e uma trilha sonra inesquecível. A paixão da Something Classic transborda em cada pixel, cada nota musical e cada linha de diálogo.
Portanto, a recomendação é unequivocadamente positiva. Quartet não é apenas um jogo para fãs saudosistas; é uma experiência robusta e bem executada que se sustenta por seus próprios méritos. É um testemunho de que os fundamentos do bom design de jogos são atemporais. Se você aprecia JRPGs, seja você um veterano da era 16-bit ou um recém-chegado ao gênero, Quartet é uma jornada que merece ser vivida. É, sem sombra de duvidas, uma das experiências mais autênticas e gratificantes do cenário independente atual e um forte candidato a figurar entre os melhores do ano.
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