Sabe aquele cheiro de terra molhada, de fuligem de forja e de algo indefinível que te transporta direto pra 2001? Of Ash and Steel chega com essa proposta na veia: ser um sucessor espiritual do clássico Gothic, sem medo de herdar suas qualidades ásperas e, vamos ser francos, uma boa dose da sua famosa “grosura”. Desenvolvido por um estúdio que claramente respira o RPG clássico alemão, o jogo é uma declaração de amor – e também um exercício de paciência. Vou mergulhar aqui nos aspectos técnicos e na experiência de jogo, porque falar sobre Of Ash and Steel é necessariamente um exercício de dualidade: entre o brilhante e o truncado.
Gráficos: Beleza na Asperez
O primeiro impacto visual é… interessante. O jogo não compete com os AAA atuais em polimento ou técnicas de iluminação de última geração. Os modelos de personagens têm uma rigidez que remete a uma era passada, e as animações, principalmente as faciais, podem ser bem limitadas. No entanto, é aqui que mora a primeira surpresa. A direção de arte é soberba. Os ambientes, especialmente as florestas densas e os interiores sombrios de masmorras, possuem uma atmosfera palpável, quase úmida.

A paleta de cores é sóbria, com tons de cinza, marrom e verde que contribuem para um mundo que parece genuinamente vivido e desgastado. A arquitetura das cidades e fortalezas tem um peso, uma solidez que falta em muitos mundos abertos contemporâneos. Os efeitos de luz, embora tecnicamente simples, são usados com critério para criar cenários realmente belos e melancólicos ao entardecer ou dentro de uma caverna. Em resumo, os gráficos são um caso onde a visão artística supera, e muito, a execução técnica bruta. Você nota os limites do motor, mas é difícil não se admirar com a paisagem que foi construída sobre ele.
Sons e Trilha Sonora: O Tear da Atmosfera
O trabalho de áudio é um dos pilares mais sólidos do projeto. A trilha sonora, composta por temas que variam entre o épico sombrio e a melodia folk introspectiva, acerta em cheio no tom. Ela não domina a cena o tempo todo, surgindo nos momentos certos para enfatizar a descoberta ou o perigo. Os efeitos sonoros são robustos: o tinir metálico de espadas, os grunhidos dos monstros, os passos em diferentes superfícies e o som ambiente das florestas e cidades são convincentes e bem implementados. A dublagem, presente em inglês, é um ponto que divide. Enquanto alguns personagens têm atuações competentes que beiram o exagerado no bom sentido – aquele tom teatral do Gothic original –, outras linhas podem soar um pouco robóticas ou descontextualizadas. No conjunto, porém, o pacote de áudio é fundamental para costurar a imersão. É ele que, muitas vezes, segura a atmosfera quando algum bug visual tenta quebrá-la.
Jogabilidade: O Legado de Ferro (e os Calos)
Aqui está o cerne da experiência Of Ash and Steel. A jogabilidade é um retorno deliberado aos princípios do RPG de ação europeu dos anos 2000. O combate é baseado em timing, posicionamento e uma curva de aprendizado íngreme. Não há botões de esquiva infinita ou combos vistosos. Cada golpe tem peso, cada erro é punido severamente. A sensação de evolução, quando você finalmente domina o ritmo de luta contra um certo tipo de inimigo, é imensamente gratificante. O sistema de progressão é clássico: você ganha pontos de aprendizado ao subir de nível, que são gastos com treinadores espalhados pelo mundo para aumentar atributos e desbloquear novas habilidades de combate. Cada ponto gasto realmente muda a dinâmica do seu personagem.
A exploração é não-linear e punitiva. O mundo não se ajusta ao seu nível; você pode (e vai) encontrar criaturas que podem esmagá-lo com um golpe se aventurar-se para os lugares errados cedo demais. A ausência de um sistema de fast travel ubíquo – há um mecanismo de teleportes limitado, que muitos consideram subutilizado – força o jogador a aprender os caminhos do mundo, a planejar rotas. A sensação de perigo constante e de descoberta genuína é um trunfo enorme. Os diálogos são extensos e as soluções para quests nem sempre óbvias, exigindo atenção aos detalhes e, às vezes, uma boa dose de tentativa e erro.

Mas é impossível falar da jogabilidade sem abordar a contrapartida: os bugs. Eles são parte integrante da experiência no estado atual. Inimigos podem ficar presos na geometria, itens de missão podem não spawnar corretamente – há relatos de uma quest específica que fica impossibilitada por isso –, e a performance pode sofrer quedas significativas, especialmente nas transições ao entrar e sair de áreas movimentadas como a cidade principal. É o tipo de jogo onde um quick save antes de qualquer interação importante vira ritual. Alguns bugs, como a duplicação aleatória de itens no inventário (que às vezes substitui outro item), são irritantes, enquanto outros podem ser contornados com uma recarga de save. É uma “grosura” que, para o fã do gênero, pode até evocar uma estranha nostalgia, mas é inegavelmente um obstáculo.
História e Mundo: Uma Alma Própria
A narrativa de Of Ash and Steel não busca reinventar a roda. Você é um estrangeiro em uma terra conflituosa, um reino marcado por guerra e intrigas políticas entre facções. A força não está na premissa original, mas na execução e no tom. O jogo possui uma identidade marcante, equilibrando um humor negro e absurdista – presente em diálogos e situações inesperadas – com uma atmosfera geral sombria e desesperançada. Os personagens, mesmo os secundários, possuem personalidade, e o mundo parece existir independente do protagonista. A sensação é de que você está apenas sobrevivendo e tentando encontrar um lugar em um ecossistema social hostil e complexo.
A escrita é competente, e os diálogos, em sua maioria, fornecem as pistas necessárias para prosseguir, sem segurar a mão do jogador. Um sistema interessante é o de “conhecimento antigo” para localizar baús enterrados, que incentiva a observação do ambiente. A falta de marcadores de quests onipresentes pode assustar jogadores acostumados a uma orientação mais direta, mas é uma escolha de design coerente com a filosofia do jogo: você precisa ouvir, ler e explorar.

Conclusão: Uma Recomendação com Caveats
Of Ash and Steel é um jogo difícil de avaliar de forma categórica. Tecnicamente, é irregular, com bugs de progressão, problemas de performance e uma apresentação visual que oscila entre o inspirado e o rudimentar. Como uma experiência pura de RPG, no entanto, é uma joia cheia de arestas. Ele captura como poucos a sensação de aventura perigosa, de progressão significativa e de um mundo que parece vivo e indiferente.
Recomendo o jogo? A resposta é um “sim”, mas com condições sólidas. Se você é um jogador que tem zero tolerância a bugs, que busca um combate polido como os de ação modernos, ou que precisa de um guia constante para se orientar, provavelmente vai achar a experiência frustrante. No entanto, se você sente saudade ou curiosidade pela escola de RPGs representada por Gothic, Risen (os primeiros) e Arx Fatalis, se valoriza a atmosfera acima do polimento e está disposto a enfrentar algumas (ou várias) adversidades técnicas em troca de uma aventura com alma, personalidade e desafio genuíno, então Of Ash and Steel é uma jornada que vale cada momento de frustração e cada triunfo conquistado a ferro. É um trabalho de amor, imperfeito e áspero, mas com um coração que bate forte no lugar certo. Como disseram os próprios fãs, é a “nossa” Gothic moderna. Resta agora trabalhar com o arquivo e polir, porque o potencial aqui é realmente enorme.
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