Baby Steps, do criador por trás do desafiador Getting Over It com Bennett Foddy, é um daqueles jogos que chega sem muito alarde, mas que gruda em você de uma forma que poucos títulos conseguem. A premissa é aparentemente simples: controlar Nate, um homem que, por motivos nunca totalmente explicados, decide sair para caminhar pela natureza. A grande sacada, e o que define completamente a experiência, é que você não controla Nate com um simples analógico. Você controla cada uma das suas pernas, individualmente, com os gatilhos do controle. Soa estranho? E é. Mas é também brilhante.
Vamos mergulhar nos aspectos técnicos que fazem de Baby Steps uma experiência tão única, começando pelo seu cerne: a jogabilidade.
Jogabilidade: A Arte de Aprender a Caminhar (de Novo)
Aqui reside a alma do jogo. A curva de aprendizado é íngreme, quase como uma parede de rocha, mas de uma forma deliberada e gratificante. Nos primeiros minutos, você literalmente toma “baby steps” (passos de bebê), arrastando Nate de forma desengonçada e caindo constantemente. A genialidade do sistema de controle está na forma como ele força a criação de uma memória muscular. Você não pensa “aperto o gatilho esquerdo agora”; com o tempo, seu cérebro simplesmente assimila o ritmo necessário para se mover.

É comum entrar em um estado de fluxo, onde as ações começam a sair automaticamente. Você se encontra caminhando, escalando um pequeno obstáculo, e nem sequer consegue explicar mentalmente como conseguiu. É puro instinto desenvolvido através da prática. E então, do nada, seu cérebro consciente resolve participar do processo, você duvida de um movimento, e acaba despencando ladeira abaixo. É uma dança constante entre o subconsciente e o consciente, o que é incrivelmente catártico quando você finalmente domina um trecho difícil.
O mundo é cheio de desafios orgânicos. Os caminhos nem sempre são óbvios, e grande parte da diversão está em experimentar e descobrir como superar um declive escorregadio ou uma pilha de rochas. A física é o verdadeiro chefe aqui. É imprevisível o suficiente para criar situações hilárias e caóticas, mas justa o suficiente para que cada queda sinta-se como um erro do jogador, e não do jogo. Encontrar um checkpoint após uma sessão intensa de tentativa e erro proporciona uma sensação de alívio e conquista genuína.
Gráficos: Um Estilo Distinto e Funcional
Baby Steps não compete no campo do realismo fotográfico, e agradeça por isso. O jogo adota um estilo visual único, com texturas que lembram massinha de modelar e um design de personagens caricato e expressivo. Nate, com seu corpo desengonçado e sua capa amarela, é um protagonista visualmente marcante. O mundo, embora vasto, é apresentado com uma paleta de cores que ajuda na leitura do ambiente, algo crucial quando se precisa planejar cada passo com cuidado.

Um ponto técnico notável é o suporte nativo a resoluções ultrawide, como 32:9 (5120×1440). Isso não é um mero enfeite; em um jogo sobre exploração e percepção espacial, ter um campo de visão ampliado é uma vantagem significativa e bem-vinda. O controle de câmera é preciso, permitindo trocar de ombro e até posicionar-se em uma vista aérea para planejar movimentos complexos onde a precisão dos pés é absoluta. A apresentação visual serve perfeitamente à jogabilidade, sem nunca atrapalhar.
Sons: A Trilha Sonora e os Barulhos do Sucesso (e do Fracasso)
A trilha sonora de Baby Steps é um personagem por si só. Ela oscila entre tons calmos e contemplativos, enquanto você admira a paisagem, e batidas energéticas e até mesmo tensas durante sequências mais difíceis. A mixagem de áudio é excelente, com os sons ambientes – o vento, a chuva, o farfalhar das folhas – criando uma imersão profunda.
Os efeitos sonoros são fundamentais para o feedback tátil. O som de um passo firme no chão é diferente do arrastar de um pé na lama ou do impacto surdo de uma queda. Você começa a associar os sons ao sucesso ou ao fracasso de um movimento, o que auxilia no processo de aprendizado. A narração esporádica e os diálogos internos de Nate, com seu humor seco e um tanto quanto cínico, adicionam uma camada de personalidade que, embora não seja o foco principal, ajuda a construir o tom peculiar do jogo.
História: Uma Jornada Pessoal (ou a Falta Dela)
É importante estabelecer desde já: Baby Steps não é um jogo narrativo no sentido tradicional. A “história” é o que você vive, não o que lhe é contado. É a jornada pessoal de dominar os controles, de superar um obstáculo que parecia intransponível minutos antes, da pequena vitória de conseguir andar em linha reta sem cair. A motivação de Nate é irrelevante; a motivação do jogador é que importa.
O jogo está mais para uma experiência, similar aos desafios abstractos dos níveis mais difíceis de Trials HD ou Evolution. O objetivo é a masterização das mecânicas. No entanto, o mundo é pontuado por pequenas surpresas, “minigames” durante as cutscenes e um level de créditos particularmente criativo, que demonstram o cuidado e o humor dos desenvolvedores em não levar a experiência demasiado a sério.

Conclusão: Vale a Pena a Caminhada?
Baby Steps é um jogo de nicho, e é crucial entender isso. Ele não vai agradar a todos. A frustração inicial é real, e a exigência de paciência e persistência é alta. No entanto, para aqueles que se identificam com a proposta de dominar uma mecânica única e absurdamente satisfatória, é uma experiência quase meditativa e profundamente recompensadora.
A sensação de progredir, de ver a memória muscular se formar, de finalmente passar por aquele trecho escorregadio que exigia uma caminhada contínua e controlada, é incomparável. O trabalho colocado no esquema de controle sozinho já justifica o preço de entrada para os fãs de jogos que desafiam convenções.
Portanto, a recomendação é clara: se você busca um desafio puro, uma jogabilidade inovadora que exige dedicação para ser apreciada plenamente, e não se importa com a falta de uma narrativa tradicional, Baby Steps é uma obra-prima peculiar e indispensável. É um daqueles raros jogos que, pela sua simplicidade mecânica e profundidade de execução, consegue criar momentos de pura alegria e frustração em igual medida, tornando cada pequena vitória inesquecível. Uma aventura desengonçada, hilária e, no fim das contas, incrivelmente gratificante.
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