Analisar um jogo de SWERY é sempre uma experiência peculiar. Não se trata apenas de julgar gráficos, performance ou mecânicas de jogo no vácuo; é preciso entrar num acordo tácito de que você, como jogador, está disposto a tolerar uma série de falhas técnicas em troca de uma dose da narrativa única e do charme inexplicável que apenas o diretor consegue entregar. HOTEL BARCELONA coloca esse acordo à prova de maneira extrema. Depois de horas percorrendo seus corredores sombrios, a sensação que fica é a de um projeto ambicioso e criativo que, infelizmente, tropeça em praticamente todos os aspectos fundamentais do design de jogos, levantando a questão: até que ponto o estilo de SWERY consegue carregar um título que parece lutar ativamente contra o jogador?
Vamos começar pelo mais elementar: a jogabilidade. HOTEL BARCELONA se apresenta como um roguelite de ação com visão lateral, e é aqui que os primeiros e mais graves problemas surgem. O controle do personagem é, para ser direto, bastante problemático. Há uma flutuação e uma falta de responsividade que tornam movimentos básicos, como se esquivar de ataques ou se posicionar com precisão, uma tarefa frustrante. O personagem parece deslizar pelo cenário em vez de andar, e a sensação de peso é inconsistente, o que quebra a imersão e gera inúmeros momentos de injustiça durante os combates. A câmera, outra velha conhecida dos fãs de SWERY, também não colabora. Em momentos de ação mais intensa, ela frequentemente falha em enquadrar a ação de forma clara, escondendo inimigos ou obstáculos fora da tela que resultam em danos baratos. É o tipo de problema básico que você espera que tenha sido resolvido nos estágios iniciais de desenvolvimento, mas que persiste na versão final.

A estrutura de roguelite adotada pelo jogo acaba exacerbando essas falhas. A repetição inerente ao gênero requer que a jogabilidade central seja sólida e gratificante, incentivando o jogador a tentar “só mais uma vez”. Em HOTEL BARCELONA, no entanto, cada run é uma batalha não só contra os inimigos, mas contra a própria engine do jogo. A progressão entre as runs parece desequilibrada, com a dificuldade parecendo vir mais da luta com os controles e da câmera do que de um design de inimigos desafiador e bem elaborado. É uma pena, porque nas raras ocasiões em que tudo clica, é possível vislumbrar um ritmo de jogo divertido, um flow state que, infelizmente, é rapidamente interrompido por algum obstáculo técnico.
Um dos elementos mais controversos e amplamente discutidos é o componente online, o sistema de invasão de Doppelgangers. A ideia de ter um jogador real invadindo sua partida para caçá-lo pode ser interessante no papel, mas na prática, a implementação é questionável. A maior queixa é a impossibilidade de desativar essa função diretamente nos menus. Existe um item dentro do jogo que supostamente desativa as invasões, mas seu custo é proibitivamente alto, exigindo uma quantidade de moedas que é difícil de acumular em uma única partida, especialmente considerando a natureza desafiadora e imprevisível do jogo. Morrer para um invasor momentos antes de alcançar a sala do chefe, forçando você a recomeçar do zero, é uma experiência que pode ser a gota d’água para muitos jogadores. É uma mecânica que parece não ter sido devidamente polida ou balanceada, adicionando uma camada de frustração que poderia ter sido facilmente mitigada com opções de acessibilidade mais claras.

No campo técnico, HOTEL BARCELONA também deixa a desejar. O desempenho não é dos melhores, com quedas de frame rate sendo perceptíveis em momentos de ação mais carregada, o que atrapalha ainda mais a já precária jogabilidade. Os visuais, por sua vez, adotam um estilo de baixo contraste e uma paleta de cores bastante específica que, embora possa ser uma escolha artística para criar atmosfera, muitas vezes resulta em cenários difíceis de “ler”. Inimigos e elementos interativos podem se fundir com o fundo, levando a danos inesperados. É uma estética que prioriza o estilo em detrimento da funcionalidade, e nem sempre isso funciona a favor da experiência do jogador.
No entanto, e este é um “no entanto” gigantesco, é impossível negar que HOTEL BARCELONA tem alma. É aqui que o toque de SWERY brilha, mesmo que ofuscado por tantos problemas. A narrativa, repleta de personagens excêntricos, um humor peculiar e uma abordagem quase ingênua de temas sombrios, é o verdadeiro motor que impulsiona o jogador adiante. A premissa, situada num hotel macabro, é cativante, e a história se desenrola de uma maneira que só SWERY sabe fazer, misturando o absurdo com o genuinamente intrigante. A inclusão de dublagem em japonês é um toque agradável que adiciona camadas de personalidade aos personagens. Para os fãs que se aventuraram em Deadly Premonition 2 e saíram com um sorriso no rosto, apesar de tudo, há uma sensação familiar e reconfortante aqui. O jogo é, em seu cerne, estranhamente engraçado, fofo e profundamente original em seu tom e atmosfera.
A questão do uso de IA generativa em alguns elementos também surgiu, e é um ponto que merece menção. É importante distinguir entre o conceito amplo de machine learning, que é usado há anos em várias mídias, e a aplicação específica de IA generativa para criação de arte. Embora o debate ético seja válido e complexo, no contexto de HOTEL BARCELONA, seu uso não se apresenta como um elemento que define ou prejudica drasticamente a experiência, sendo mais uma nota de rodapé em um jogo repleto de questões técnicas mais prementes.

Conclusão: Recomendação Cautelosa e Seletiva
HOTEL BARCELONA é um jogo difícil de recomendar de forma ampla. Ele é, inegavelmente, uma experiência bagunçada, com problemas técnicos e de design que vão desde inconvenientes até genuinamente frustrantes. A jogabilidade é inconsistente, a performance é instável e a mecânica de invasão online é mal implementada. É o tipo de título que pode facilmente afastar jogadores que não têm paciência para lidar com suas idiossincrasias.
No entanto, para um nicho muito específico de jogadores – aqueles que conseguem ver além das falhas técnicas e se conectar com a visão narrativa única de SWERY –, há uma experiência gratificante escondida sob as camadas de caos. A história é envolvente, os personagens são carismáticos e o mundo é irresistivelmente peculiar. Se você se considera parte desse nicho, se você é do time que conseguiu apreciar os jogos anteriores do diretor apesar de todos os seus defeitos, então HOTEL BARCELONA pode valer a pena. É uma recomendação cautelosa, quase um “você foi avisado”. Para todos os outros, talvez seja melhor ignorar que este jogo existe e aguardar o próximo projeto do diretor, na esperança de que ele finalmente encontre o equilíbrio perfeito entre sua criatividade inigualável e uma base técnica competente. No fim das contas, é um jogo que te faz rir, xingar e, de alguma forma, querer mais, mesmo quando tudo ao redor parece desmoronar. E talvez, só talvez, isso já seja uma vitória por si só.
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